segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Peça " A Falecida " de 1994




“Foi sorte do público que Maria Padilha tenha convidado Gabriel Vilela para dirigir esta encenação da 'Falecida', e ele tenha aceitado. Porque a montagem em cartaz é um dos grandes momentos teatrais da temporada. 
O encenador tratou a tragédia carioca de Nelson Rodrigues como obra-prima que é. E não se preocupou em contradizer a montagem de Antunes. Procedeu a uma interpretação pessoal e sensível do feroz universo rodrigueano.(...) A opção pelo melodrama levou esta 'Falecida' a explorar também o humor negro de Nelson Rodrigues. Humor que surge de frases antológicas, de situações grotescas. 
Caso da exclamação de Zulmira: 'uma morta não se recusa nada', quando pede a Tuninho que vá falar com Pimentel. Entre humor ácido e a tragédia, 'A Falecida' traça um apavorante retrato do Brasil. Encabeçando o elenco, Maria Padilha está excelente como Zulmira. A atriz esculpe o personagem com gestos e expressões descompostas, atônitas, intensas. Anda no perigoso fio da navalha da atuação expressionista sem se perder em exageros desnecessários, estabelecendo o ritmo do espetáculo. 
O ótimo Marcelo Escorel se impõe como o fanático vascaíno Tuninho. Oscar Magrini cria um vigoroso e animalesco Pimentel. E Lorival Prudêncio brilha em três pequenos papéis. 
A aplicada Adriana Esteves mostra presença de cena em breve aparições. 
Tatiana Issa empresta o belo corpo ao fantasma da prima Glorinha, 'a mulher mais honesta do Rio', que inferniza a vida de Zumira. E a veterana Yolanda Cardoso em boa hora ressurge no palco como a esculachada cartomante e a trágica mãe de Zumira." 
“O diretor Gabriel Vilela teria, ao menos em princípio, duas opões para encenar o texto: manter ou até exacerbar seu realismo ou adotar uma postura semelhante a de Antunes Filho, que impôs à peça um tratamento expressionista com o propósito de converter os personagens em arquétipos do comportamento humano, conferindo-lhes uma dimensão universal. 

Mas Vilela preferiu uma outra opção, brilhantemente concebida e executada. Sendo o jogo um dos componentes essenciais do contexto dramatúrgico, Vilela criou uma cenografia estruturada a partir de dois elementos: no centro do palco, e ocupando quase toda a sua extensão, um misto de campo de futebol e mesa de sinuca – jogo que também se insere na peça – simboliza a partida que Zulmira joga com a vida e também funciona como uma espécie de altar de sua imolação. 

Ao fundo, construída com tacos de sinuca, uma estrutura sugere um gigantesco órgão de uma catedral gótica, que reforça a tragicidade religiosa do texto.(...) Encabeçando o elenco, Maria Padilha tem a melhor atuação de sua carreira. A atriz convence plenamente tanto na exposição da banalidade de seu cotidiano quanto à crença de que poderá transcendê-lo através de um artifício de patética teatralidade. 
A passagem da mulher submissa e conformada para aquela que parece estar possuída de um misticismo algo fanático é feita de maneira admirável. Marcelo Escorel, embora num papel de menores possibilidades, também consegue um ótimo resultado na pele de Tuninho, sendo particularmente feliz na exploração de sua exacerbada paixão futebolística e em sua vingança final.” 

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